A primeira datação absoluta radiocarbônica (C¹⁴) das Ruínas de Machu Picchu foi um projeto de pesquisa originalmente concebido e desenvolvido por Reinaldo Escada Chohfi. Os resultados da datação absoluta das Ruínas de Machu Picchu fizeram parte do trabalho de pesquisa intitulado Origin and Development of the Machu Picchu Ruins, Peru: A Radiocarbon (C¹⁴) Dating Approach, apresentado por Reinaldo Escada Chohfi como requisito de conclusão do Mestrado em Archeologia do Mundo Novo no Interdisciplinary Archaeology Program da University of California, Los Angeles (UCLA).

O principal objetivo em realizar a primeira datação absoluta de Machu Picchu foi de determinar uma data para a ocupação pré-hispânica das ruínas utilizando métodos científicos de tal forma que seria possível avaliar condições paleoclimatológicas no seu estudo de utilização de energia solar em arquitetura e urbanismo bioclimático em Machu Picchu. Até então, não se havia aplicado nenhum método de datação absoluta, incluido o C¹⁴, para determinar o período de ocupação pré-hispânica de Machu Picchu.

Apresento abaixo fatos relevantes sobre o desenvolvimento e conclusão do projeto de pesquisa da primeira datação absoluta radiocarbônica (C¹⁴) das Ruínas de Machu Picchu. Também são apresentados fotografias, resultados e relatórios sobre este importante trabalho de pesquisa.

Em 1981, o Instituto Nacional de Cultura do Peru (INC), Regional de Cusco (INC-Cusco), concedeu a Reinaldo Escada Chohfi autorização inicial para participar de escavações arqueológicas em Machu Picchu com a finalidade de coletar material orgânico a ser utilizado na primeira datação absoluta radiocarbônica (C¹⁴) de Machu Picchu. Esta autorização data de 25 de julho de 1981 e foi concedida pelo Antropólogo Alfredo Valencia Zegarra, Chefe da Unidade de Investigação do Patrimônio Cultural Monumental do Instituto Nacional do Peru (INC), Regional de Cusco (INC-Cusco).

Munido desta autorização, Reinaldo Escada Chohfi obteve em 1983 recursos do University of California Research Expedition Program (UREP), através de apoio dado pelo seu professor orientador e mentor Dr. Rainer C. Berger da UCLA, para levar duas expedições do UREP à Machu Picchu para coleta de material orgânico a ser utilizado na primeira datação absoluta radiocarbônica (C¹⁴) de Machu Picchu.

Posteriormente, um convênio para a datação absoluta de Machu Picchu (Carbono 14) foi celebrado em Lima, Peru no dia 18 de julho de 1983 entre a Direção Departamental do Instituto Nacional de Cultura (INC) e Reinaldo Escada Chohfi da University of California Los Angeles (UCLA). O convênio foi assinado por parte do INC pelo Arquiteto Juan Luiz Birimissa Asa, Diretor Adjunto do Patrimônio Cultural do INC e Diretor da Regional de Cusco do INC, e por parte da UCLA por Reinaldo Escada Chohfi, estudante desta universidade, e testemunhado pelo Dr. Rainer Berger, professor da UCLA.

As cláusulas deste convênio permitiram que os participantes da Expedição UREP pudessem realizar os seguintes trabalhos em Machu Picchu entre 20 a 27 de julho e 4 a 12 de agosto de 1983:

• Realização de trabalhos científicos de arquitetura solar e energia solar.
• Participação nos trabalhos de escavação arqueológica sob responsabilidade do INC-Cusco, através do Centro de Investigação e Restauração de Bens Monumentais, para coleta de amostras de material de carbono a serem utilizadas na datação radiocarbônica (C¹⁴).
• Extração e exportação de amostras de carvão para datação absoluta radiocarbônica na UCLA.

A escavação arqueológica sistemática realizada em Machu Picchu para coleta de material orgânico a ser utilizado na datação absoluta pelo método radiocarbônico (C¹⁴) esteve sob responsabilidade e supervisão do Antropólogo Wilfredo Yepez do INC-Cusco residente em Machu Picchu.

A escavação arqueológica sistemática foi realizada pelo Antropólogo Wilfredo Yepez e pessoal técnico especializado do INC-Cusco. A extração das amostras de carvão foi realizada sob a supervisão do Dr. Rainer Berger, Diretor do Laboratório de Datação Radiocarbônica (Radiocarbon Dating Laboratory) da UCLA. Os participantes da Expedição do UREP fizeram trabalhos secundários, como limpeza de material, fazer desenhos, tomar fotografias, peneirar solo extraído da escavação arqueológica, e medir as dimensões e catalogar o material recuperado na escavação arqueológica. Eles também fizeram observações climatológicas, e medições de energia solar e velocidade do vento durante a estadia em Machu Picchu.

A Expedição UREP à Machu Pichu foi formada de dois grupos:

• Primeiro grupo participou dos trabalhos de 20 a 27 de julho de 1983
• Segundo grupo realizou trabalhos de 4 a 12 de agosto de 1983

Os participantes da Expedição UREP à Machu Picchu ficaram acampados no recinto de uma das edificações situadas próximo a entrada das Ruínas de Machu Picchu. Veja abaixo através do link do Google Maps a localização do local de acampamento em Machu Picchu, assim como algumas fotografias tomadas no local em 1983.

O acampamento da Expedição UREP ficava aproximadamente 370 metros do local selecionado para se fazer a escavação arqueológica deste projeto de pesquisa. O local escolhido para a escavação arqueológica foi o Recinto N° 6 do Grupo das Q'Ollkas no Setor IX, Subsetor I das Ruínas de Machu Picchu. Esta área das ruínas é situada ao leste do Grupo das Três Portas (Three Doors Group).

Clique no ícone abaixo para ver no Google Maps o local da edificação onde foi realizada a escavação arqueológica para coleta de amostras de material orgânico para a primeira datação absoluta radiocarbônica (C¹⁴) das Ruínas de Machu Picchu, Peru.

Conforme ilustrado acima, o interior do Recinto N° 6 mede aproximadamente 7,57 metros de comprimento por 4,25 metros de largura, tendo o seu lado maior orientado ao nordeste. Para a finalidade de escavação arqueológica, o interior do Recinto N° 6 foi dividido em 18 quadrantes medindo 1,0 x 1,0 metro e seis quadrantes medindo 1,0 x 0,4 metro cada.

O quadrante localizado no canto sudeste foi selecionado como o primeiro quadrante a ser escavado. Este quadrante foi denominado Unidade 1 - Quadrante N2E3. A decisão para escavar este quadrante primeiro foi baseada no conhecimento que o local da cozinha de habitações dos povos pré-hispânicos do Peru era, na maioria dos casos, localizado na canto próximo a entrada dessas habitações. Consequentemente, se o Recinto N° 6 tivesse realmente sido ocupado como moradia seria encontrado neste canto o local da cozinha que conteria carvão ou sementes, que poderiam ser as amostras de material orgânico que estávamos buscando para a datação radiocarbônica de Machu Picchu.

A escavação arqueológica sistemática da Unidade 1 - N2E3 foi conduzida em níveis de 10 cm. A profundidade máxima atingida foi de 160 cm que correpondeu a camada da rocha viva, que já foi detectada a 145 cm devido a sua forma irregular. Cada nível foi escavado cuidadosamente com extra atenção dada para identificação da presença de material orgânico, que quando encontrado foi coletado de maneira meticulosa e devidamente armazenado.

O quadrante denominado Unidade 2 - N3E2, localizado ao noroeste da Unidade 1 - N2E3, também foi escavado sistematicamente em níveis de 10 cm até a profundidade de somente 80 cm.

O material arqueológico recuperado era levado diariamente ao Museo de Sítio de Machu Picchu logo após a conclusão dos trabalhos de escavação arqueológica. O restante do depósito cultural presente no Recinto N° 6 foi deixado intacto pelos participantes da Expedição UREP de 1983 para futuros trabalhos de escavação arqueológica sistemática.

As fotografias mostradas abaixo ilustram o andamento da escavação arqueológica sistemática realizada na Unidade 1 - N2E3 do Recinto N° 6, assim como amostras do material recuperado e equipe dos participates da escavação arqueológica.

Amostras de carvão foram encontradas e colhidas em todos os níveis da escavação arqueológica sistemática realizada na Unidade 1 - N2E3, a não ser nos níveis 14, 15 e 16. As amostras de carvão colhidas nos níveis 1 e 2 eram muito pequenas para serem utilizadas no procedimento de datação radiocarbônica. Foi colhido o total de 530 gramas de amostras carvão. Os maiores pedaços de carvão eram pequenos galhos de árvore carbonizados usados para cozinhar ou aquecimento do recinto. Esta foi a única escavação arqueológica realizada em Machu Picchu na qual foi encontrado carvão vegetal. Nunca se havia encontrado carvão vegetal em escavações arqueológicas em Machu Picchu.

Após o término dos trabalhos de escavação arqueológica em Machu Picchu as amostras de carvão foram levadas para o INC em Cusco pelo pessoal desta instituição no dia 12 de agosto de 1983. As amostras de carvão foram levadas pessoalmente por Reinaldo Escada Chohfi do INC-Cusco ao INC de Lima em 15 agosto de 1983, e depois do INC de Lima ao Laboratório de Datação Radiocarbônica da UCLA nos EUA em 14 de setembro de 1983.

O material arqueológico recuperado na escavação arqueológica ficou em posse do INC-Cusco. O convênio para a datação absoluta de Machu Picchu entre INC e Reinaldo Escada Chohfi não autorizava a exportação de qualquer outro material arqueológico cultural além das amostras de carvão. Também foram descobertas três sementes carbonizadas nos Níveis 6 e 7 que até o momento não foram identificadas e encontram-se no INC-Cusco. O INC-Cusco ficou responsável pela custódia e análise de todo o material arqueológico cultural recuperado na escavação arqueológica, a não ser as amostras de carvão.

As amostras de carvão colhidas na Unidade 1 - N2E3 foram devidamente processadas no Laboratório de Datação Radiocarbônica da UCLA. As amostras de carvão encontradas nos Níveis 6, 7 e 12 foram as mais importantes em termos dos resultados da datação absoluta C¹⁴ da ocupação pré-hispânica das Ruínas de Machu Picchu, indicando pelo menos dois períodos distintos de ocupação:

As amostras de carvão do Nível 7 foram encontradas associadas com:

• Aproximadamente quarenta fragmentos de cerâmica
• Base quebrada de uma Olla (cerâmica de cozinhar)
• Fragmento de cerâmica com desenho em relevo parecido a uma serpente ponteada
• Piso ocupacional composto

A amostra de carvão do Nível 7 (UCLA Nº 2538 F) foi encontrada embaixo desta base quebrada. A base quebrada e o fragmento de cerâmica com o desenho em relevo parecido a uma serpente são partes de uma Olla, cerâmica de cozinhar. Este está entre o tipo de cerâmica mais comum que foi originalmente coletado em Machu Piccchu por Hiram Bingham em 1911. Há mais de 200 exemplos desta cerâmica de cozinhar na coleção original de Machu Picchu, e todas tem as suas bases escuras como queimadas pelo fogo. Esta cerâmica é do estilo Inca Clássico. A data ca. 1450 A.D. das amostras de carvão do Nível 7 correspondem ao período ocupacional Inca de Machu Picchu.

A amostra de carvão do Nível 12 (UCLA Nº 2538 O) foi obtida dos restos de uma área de fogueira (hearth), contendo concentração de restos de carvão vegetal, que foi descoberta a 115 cm de profundidade no canto nordeste da Unidade 1 - N2E3. A área da fogueira era de forma semicircular medindo aproximadamente 24 cm de diâmetro. Esta área de fogueira estava situada na parte superior de um piso ocupacional de argila queimada. O piso estava nivelado com a primeira fileira de blocos de granito da contrução da parede da edificação demonstrando ser o primeiro piso ocupacional anterior ao mencinado acima. Apesar de não ter sido encontrado restos de cerâmica associados no Nível 12, uma área de fogueira (hearth) é um pequeno buraco cuidadosamente construido usado para conter fogo, sendo considerada uma feição arqueológica (archaeological feature) ou material cultural por ser evidência de atividade humana. A data ca. 650 A.D. da amostra de carvão do Nível 12 representa o período ocupacional Waru ou Wari de Machu Picchu.

Este segundo piso ocupacional foi descoberto neste trabalho de pesquisa arqueológica porque insistimos que os trabalhos de escavação fosse levado até a profundidade máxima possível da rocha viva (bedrock). A prática em todas as escavações arqueológicas anteriores em Machu Picchu era de parar a escavação no primeiro piso ocupacional encontrado, que supostamente era Inca. Quando os trabalhos de escavação arqueológica da Expedição UREP chegaram ao primeiro piso ocupacional também fomos informados pelo pessoal responsável do INC-Cusco para parar a escavação, que foi suspensa no dia 27 de julho de 1983.

Reinaldo Escada Chohfi teve que viajar de Machu Picchu a Cusco para obter uma autorização especial do INC em Lima para continuar os trabalhos de escavação até a profundidade máxima da rocha viva (bedrock). Esta autorização especial foi concedida pelo Arquiteto Juan Luiz Birimissa Asa, Diretor Adjunto do Patrimônio Cultural do INC e Diretor da Regional de Cusco do INC.

Os trabalhos da escavação arqueológica foram retomados quando Reinaldo Escada Chohfi retornou a Machu Picchu com a autorização no dia 05 de agosto de 1983. A área da fogueira (hearth) e o segundo piso ocupacional foram descobertos no dia 9 de agosto de 1983.

A figura abaixo apresenta uma estratigrafia chronológica generalizada para o Quadrante N2E3.

Os pontos de destaque revelados pelos trabalhos de pesquisa desta escavação arqueológica em Machu Picchu são:

• Foram extraídos 530 gramas de carvão vegetal. Material que nunca havia sido encontrado antes em Machu Picchu.
• Primeira vez que foram descobertos dois pisos ocupacionais em Machu Picchu:
• Um claramente da cultura Inca ca. 1450 A.D. entre 60 a 70 cm de profundidade.
• Outro da cultura Waru ou Wari ca. 650 A.D. a 115 cm de profundidade.
• Descoberta da área de fogueira (hearth), abaixo do piso Inca, a 115 cm de profundidade.
  Feição arqueológica que nunca foi encontrada em Machu Picchu até o momento.
• Os pisos ocupacionais eram compostos de quatro camadas:
• Camada superior 1: Argila queimada.
• Camada 2: Argila queimada com areia e pequenas pedras.
• Camada 3: Areia com fragmentos de granito.
• Camada inferior 4: Pequenas pedras angulares de granito.
• Evidência que as paredes do interior da edificação escavada tinha um revestimento de argila queimada.